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O Palco, o cenário e a saudade...
"Não havia asfalto. Era tudo terrão..." Assim começou a falar meu tio César, descendente e morador do bairro desde que nasceu, há 53 anos atrás. Sentamos numa varanda onde ele começou a relembrar. Estava ansioso de vez em quando ria, emocionado...
"Minha família andava a cavalo e para ir até a cidade, tínhamos que ir até a ponte do rio Capivari para pegar o ônibus. Chegamos a ver os tropeiros que levavam os bois para vender.
Medo? Eu tinha só do 1º dia de aula mas era recompensador sentir o cheiro do caderno e do lápis novo. Era na Escola Mista da Fazenda Santa Joana, construída em 1963. A paisagem da fazenda e os pés de eucalipto, constratavam com as tardes de céu ouro-avermelhado e o verde.
Divertimento? Eram nas noites frias e estreladas de junho que os moradores faziam uma animada festa junina, com enorme fogueira e quitutes preparados pelas mulheres: bolo, cural, paçoca, batata-doce assada, milho cozido,canjica, quentão... A musica vinha da sanfona de meu avô que tocava até amanhecer... tudo isso era bom demais!
Aos domingos, chegava meu tio Chico com a charrete, o único sorveteiro da redondeza. Não era sempre que tínhamos dinheiro para comprar e quando podíamos, era uma animação!
A compra do mês era marcada na caderneta, na venda do Seu Macedo e armazenada na tuia. As plantações de café, milho algodão e feijão eram feitas pelo arado, por tração animal, porque não havia trator.
Casamentos e velórios eram feitos em casa mesmo, e um caminhão sempre trazia os convidados.
À noite, sentávamos em volta do fogão à lenha - sempre com um feijão, um café quentinho no bule ou um franguinho na panela de ferro - e ali contávamos piadas e causos do dia.
As pessoas se falavam mais. Na sala, tínhamos um gramofone para ouvir os discos e era movido à corda, pois não havia energia elétrica.
Naquele tempo, nunca ouvimos falar em drogas, pai que matava filho, filho que matava pai ou pedofilia. Nós, crianças, éramos felizes e livres como os pássaros.
As brincadeiras eram subir em arvores, brincar de bolinha de gude, nadar e pescar no rio Capivari, onde havia lambari, bagre, traíra - que era o peixe que meu avô adorava pescar e minha avó não gostava de limpar. O vento fresco, trazia o cheiro doce das frutas maduras do quintal. Minha brincadeira predileta era empinar carroça.
A água era da cisterna, pura, cristalina, fresquinha, puxada pelo balde e colocada na moringa gorda de barro, num cantinho da sala, com uma cabaça que servia de copo.
Assim, tempo passava e com ele chegava também o progresso. As terras da fazenda foram loteadas e desapropriadas, preparando-se para receber o futuro.
Hoje, onde está o auto-posto, ficava um grande tanque com queda d´agua que movimentava o moinho de fubá.
A poluição do rio Capivari começou por volta de 1977, com a chegada de novos moradores.
Exatamente onde era a casa de meu avô, hoje está construído o terminal de ônibus Ouro Verde, por onde circulam diariamente 40 mil pessoas. Este local tem o nome de Jardim Cristina, em homenagem à minha avó Cristina.
Fico feliz, pois meu avô que viveu aqui até 2007, com 94 anos de vida, chegou a ver que o nosso bairro que possui hoje 500 mil habitantes, abriga o aeroporto de Viracopos, é cortado pela Rodovia dos Bandeirantes e no passado foi palco e o cenário para aqueles bons momentos que não voltam mais.
Saudade, quanto tempo faz..."
RELATO DE MEMÓRIA - Gênero discursivo produzido pelo meu aluno Peterson Linik para a Olimpíada de Língua Portuguesa no ano de 2008 com o tema "O lugar onde vivo", classificado na categoria para representar a Escola Newton Pimenta e a cidade de Campinas na Etapa de seleção para São Paulo.olimpiadadelinguaportuguesa.mec.gov.br/olimpiada